O Postulado da Entidade Contábil
Enunciado: "A Contabilidade é mantida para as Entidades; os sócios ou quotistas destas não se confundem, para efeito contábil, com aquelas..."
Entidades são conjuntos de pessoas, recursos e organizações capazes de exercer atividade econômica, como meio ou como fim.
Quando afirmamos que os sócios ou quotistas para cuja entidade estamos mantendo registros contábeis não se confundem (seus interesses e contabilizações) com a Entidade estamos formalizando a grande abstração contábil.
De fato, a Contabilidade realiza um grande esforço para manter registros separados para cada entidade. Digamos que entidade/foco seja a Empresa ABC Ltda., com os sócios A, B e C. Quando, como contadores, estamos mantendo a contabilidade para a entidade Empresa ABC Ltda., estamos acompanhando a evolução do patrimônio líquido da Entidade e não dos sócios. Entretanto, o mesmo contador poderia manter a contabilidade para o sócio A (pessoa física), para o sócio B (outra entidade) e para o quotista C (outra pessoa física). O mesmo contador poderia cuidar de quatro entidades distintas, embora com grandes relacionamentos de interesses.
Nem sempre é tão fácil imaginar e realizar a separação contábil. R. Anthony apresenta o conhecido exemplo de uma entidade representada por um pequeno comércio, uma loja cujos sócios são marido e mulher, e cujas atividades comerciais se desenvolvem na loja, ao nível da rua, ao passo que o casal exerce suas atividades familiares na sobreloja. Contas de telefone, água e luz vêm para o sobrado como um todo. Entretanto, a Contabilidade deveria fazer um esforço de alocação das despesas a serem apropriadas para a entidade comercial e para a entidade familiar.
Tradicionalmente, os teóricos da Contabilidade dão, para o Postulado da Entidade, a conotação analisada anteriormente. Entretanto, tal significado, conquanto importante e consubstanciado, na Contabilidade, antiga regra jurídica, não explica toda a dimensão do termo Entidade para a Contabilidade.
Pensamos que o Postulado da Entidade tem as seguintes dimensões:
a) jurídica;
b) econômica;
c) organizacional; e
d) social.
A Entidade, em sua dimensão jurídica, é perfeitamente distinta dos sócios, o que acabamos de analisar.
A Entidade, em sua dimensão econômica, caracteriza-se como massa patrimonial, cujo evoluir, quantitativo e qualitativo, a Contabilidade precisa acompanhar.
A Entidade, em sua dimensão organizacional, pode ser encarada como um grupo de pessoas ou pessoa exercendo controle sobre receitas e despesas, sobre investimentos e distribuições.
A Entidade, em seu sentido social, pode ser examinada em suas transfigurações sociais, no sentido de que a entidade pode ser avaliada não só pela utilidade que a si acresce, mas também pelo que contribui no campo do social, em termos de benefícios sociais.
A Contabilidade, todavia, engloba todos os aspectos e dimensões numa abordagem só: a visão contábil. Para a Contabilidade nenhuma das quatro dimensões é suficiente para caracterizar, contabilmente, uma entidade. De fato, quando separamos, cuidadosamente, o que é dos sócios do que é da entidade, estamos contemplando o tipo "a"; quando, denotadamente, comparamos a situação patrimonial de uma mesma entidade, como um todo, ao longo de vários períodos, estamos conotando a dimensão "b"; entretanto, quando nos preocupamos em abrir centros de custo, de lucro ou de investimento, vislumbramos a dimensão "c"; e, finalmente, ao tecer comentários em notas explicativas sobre programas de fundos de pensão e complementação de aposentadoria, talvez, sem o saber, estejamos também envolvidos com a dimensão social, ou seja, a "d".
Entretanto, nem mesmo tais explicações são suficientes para idealizar a transcendência da Entidade para a Contabilidade.
Ao mantermos registros tão cuidadosos e separados para cada entidade, subentidade ou macroentidade, estamos caracterizando uma faceta importante da Contabilidade, que é a de nunca acreditar que a simples soma das partes seja igual ao valor do todo.
Nisto, a Contabilidade é, ao mesmo tempo, cônscia de suas limitações de não querer ser a única disciplina a avaliar o "verdadeiro" valor da empresa (embora seja o principal instrumento de informação para tal), e tremendamente sábia em cancelar as transações interentidades, ligadas por traços de controle econômico e administrativo, para chegar ao todo ou Consolidado.
O Consolidado representa uma entidade à parte, totalmente caracterizada, e deve ser encarado separadamente das partes. Pode abranger essa entidade maior o conjunto controlador/ controladas ou mesmo entidades sem ligações societárias entre si, mas desde que subordinadas a um controlador comum.
Todas as entidades merecem a atenção da Contabilidade, a saber:
• empresas;
• órgãos governamentais;
• os governos federal, estadual e municipal;
• autarquias;
• sociedades de economia mista e companhias estatais;
• sociedades de finalidades não lucrativas;
• patrimônios familiares ou individuais;
• fundos de investimento;
• entidades financeiras bancárias e não bancárias;
• entidades cooperativas, etc.
Entretanto, da mesma forma que, para certas finalidades informativas de usuários especiais, são válidas as consolidações de entidades, representando a resultante outra entidade, também são vislumbradas, dentro de uma entidade maior, digamos uma grande empresa multidivisional, atomizações da visão da entidade em microentidades, segmentos de interesse e de controle, que merecem, a juízo da administração, reporte separado de receitas e despesas, de investimentos e retornos, de metas e realizações.
Aqui também vale a máxima: a soma das partes (divisões) não é , necessariamente, igual ao todo (empresa-entidade/macro, no caso). É principalmente por isso que cada entidade contábil é digna da atenção toda especial da Contabilidade, pois sua individualidade é marcante e suas realizações são peculiares em termos de contribuição para adicionar valor e utilidade aos recursos que manipula.
Para entender a Contabilidade e como ela atua é preciso entender o pano de fundo de sua atuação, isto é, as Entidades, de toda natureza e fins.
Por outro lado, para captar a essência operacional das entidades, é preciso, além do estudo cuidadoso de seu processo interno de produção, o entendimento do ambiente dentro do qual as entidades atuam. Fatores externos à entidade podem ser tão ou mais importantes para o sucesso ou insucesso final do que mecanismos internos.
Podemos, assim, caracterizar melhor o Cenário ou Cenários dentro dos quais as Entidades operam. Na verdade, agora podemos afirmar que, quem, destramente ou não, procura nadar dentro do rio, às vezes, tempestuoso, que é o cenário, são as entidades e não, propriamente, a Contabilidade. Todavia, esta vive para aquelas, eis que não podemos desligar a visão contábil e a construção de uma técnica toda peculiar das vicissitudes e dificuldades de cada cenário.
Particularmente, as companhias abertas representam um tipo de entidade que merece um tratamento especial por parte da Contabilidade. Abertura significa responsabilidade e oportunidade. Oportunidade de garantir um crescimento sustentado e firme com o auxílio do aporte de capital de risco, muito mais maleável do que o de empréstimo; responsabilidade operacional, por outro lado, e de evidenciação plena, pois os investidores atuais ou potenciais precisam ter as melhores condições possíveis para avaliar a tendência do empreendimento.
A entidade contábil consubstanciada, portanto, por uma sociedade aberta representa a sublimação máxima e o maior desafio para a Contabilidade.
Conceitos-chave deste item:
• entidade contábil;
• abstração contábil;
• dimensão jurídica;
• dimensão econômica;
• dimensão organizacional;
• dimensão social;
• consolidado;
• macroentidade;
• microentidade;
• a soma das partes não é necessariamente igual ao todo.
O Postulado da Continuidade Das Entidades
Enunciado: "Para a Contabilidade, a Entidade é um organismo vivo que irá viver (operar) por um longo período de tempo (indeterminado) até que surjam fortes evidências em contrário.."
A Contabilidade, entre a vida e a morte, escolhe sempre a primeira. De fato, esta é uma constatação do histórico dos negócios; não existe, "a priori", nenhum motivo para julgar que um organismo vivo venha a ter morte súbita ou dentro de curto prazo. Ainda mais, as entidades são organismos que renovam suas células vitais através do processo de reinvestimento.
O postulado da Continuidade tem outro sentido mais profundo que é o de encarar a entidade como algo capaz de produzir riqueza, e gerar valor continuadamente, sem interrupções. Na verdade, o exercício financeiro anual ou semestral é uma ficção determinada pela necessidade de se tomar o pulso do empreendimento de tempos em tempos. Mas as operações produtivas da entidade têm uma continuidade fluidificante: do processo de financiamento ao de estocagem de fatores de produção, passando pelo uso desse novo processo produtivo, até a venda que irá financiar novo ciclo e assim por diante.
A entidade, para a Contabilidade, não é uma "aventura", como as antigas expedições em busca de especiarias. Armava-se o navio, chegava-se, com muita sorte, ao destino, comprava-se as especiarias e voltava-se a Portugal ou Espanha, vendendo-se o carregamento. Estava encerrada a aventura ou ciclo. Cada navio era, ao mesmo tempo, um centro de custo e de lucro, bem como de investimento. Seria difícil imaginar a apuração de resultados, digamos, mensais para tal tipo de empreendimento. O tempo não tinha maior sentido, em si, a não ser quando o ciclo se completasse.
É bem diferenciada a visão que a Contabilidade tem da Entidade em continuidade... ("going concern" dos norte-americanos). Os autores norte-americanos falam, literalmente, em "algo em andamento (movimento)" para se referirem à Contabilidade (mas esse postulado também está sempre presente nos autores europeus).
Não que a Contabilidade recuse a noção de que possa ocorrer a descontinuidade. Mas o faz apenas quando há fortes e decisivas evidências de que a descontinuidade possa ocorrer.
Nesse último caso, os Conceitos ou Princípios Contábeis Fundamentais não se aplicam àquela Entidade como se faz com as outras "em marcha". Entretanto, para que isto ocorra (reconhecimento do estado de descontinuidade imediata ou iminente), é preciso fazer uma avaliação extremamente rigorosa e minuciosa da situação da entidade e de seus prospectos financeiros e econômicos imediatos. Os auditores independentes, principalmente, tomam grandes cuidados antes de reconhecerem o perigo da descontinuidade, mas, se tiverem evidência dela, não podem fugir à responsabilidade de sua evidenciação no seu relatório. Antes que tal reconhecimento ocorra, todavia, a entidade é considerada em continuidade, e todos os princípios contábeis se aplicam integralmente da forma como serão definidos mais adiante.
Uma conseqüência imediata do Postulado da Continuidade é considerar-se que os ativos da entidade (menos os produtos) não são mantidos para serem vendidos no estado em que se encontram, mas para devidamente manipulados pela Entidade, gerarem receitas em excesso às despesas (ativos consumidos ou dados em troca no esforço de produzir receita), redundando, assim, num resultado positivo (para as empresas) ou, de alguma forma, gerando serviços ou benefícios para a coletividade (para as entidades de outras naturezas, de finalidades não lucrativas).
Dessa forma, a entidade não existe para, oportunistamente, adquirir ativos quando o preço é baixo visando revendê-los, no estado em que se encontram, quando o valor de mercado é maior ou quando o fluxo de caixa da entidade assim o necessite.
Uma entidade assim vocacionada teria todo o interesse em avaliar os ativos a valores de mercado, de realização (ou de venda). Já uma entidade do tipo que estamos tratando, em plena continuidade, tem interesse em sacrificar alguns ativos (fatores de produção) em troca de uma receita que supere o valor dos ativos sacrificados. Existe todo o interesse em se contabilizar, assim, os ativos que irão ser sacrificados por quanto custaram à entidade. Através do confronto entre:
receitas (valor de venda - de saída)
vs.
despesas (ativos sacrificados - por quanto "custaram"- valor de entrada), obtemos o resultado, que esperamos sempre positivo.
Assim, os ativos, enquanto estocados (no estado original ou nos estoques de produtos acabados ou semi-acabados), devem, via de regra, ser avaliados por algum tipo de custo. Alguns autores e legislações admitem exceções para os produtos em estado de venda. Consideramos, entretanto, que, mesmo nesse ativo, deva prevalecer um valor de entrada, de custo, com algumas exceções que veremos oportunamente.
A avaliação usual dos ativos por algum tipo de valor de entrada, ou de custo, é, cremos, conseqüência do Postulado da Continuidade. Se a descontinuidade é a exceção, caso em que avaliaríamos por algum tipo de valor de realização - de saída -, na regra devemos avaliar por valores de entrada.
Alguns autores se insurgem, sempre, contra a não-utilização de valores de realização. À primeira vista, parece mais avançada ou mais moderna tal abordagem. Entretanto, os que assim professam não entenderam a verdadeira natureza íntima da Contabilidade que consiste, basicamente, no confronto entre sacrifícios (mensurados por custos) e realizações (mensuradas por valores de venda).
Entretanto, o valor de venda somente se materializa quando conseguimos obter do mercado a validação de nosso esforço de produção. O valor de mercado - de venda - é uma conquista da entidade, não é um mero apêndice de avaliação. Assim, os que insistem na avaliação, sempre a valores de venda, na verdade "vulgarizam" algo que é transcendental na Contabilidade, ou seja, o ponto de confronto entre o mercado e a entidade. A entidade, casta e operosamente, foi mantendo, sacrificando e estocando seus fatores a preços de custo; esses produtos ou serviços, sendo capazes de satisfazer às necessidades do mercado, são a este transferidos através de uma entrada de receita. Só neste ponto é que se realiza o casamento entre valores de entrada - que agora saem - e valores de saída, que finalmente entram.
O Postulado da Continuidade das Entidades é, portanto, um dos axiomas ambientais básicos aceitos pela Contabilidade que apresenta influência direta nos Princípios Fundamentais.
A Entidade em Continuidade é a premissa básica da Contabilidade.
Conceitos-chave deste item:
• vida e morte;
• ventura;
• valores de saída;
• valores de entrada;
• sacrifícios;
• realizações.
Os Princípios Propriamente Ditos
Se os postulados ambientais retratam condicionamentos dentro dos quais a Contabilidade precisa atuar, os Princípios dão as grandes linhas filosóficas de resposta contábil aos desafios do sistema de informação contábil, operando num cenário complexo, ao nível dos Postulados.
Os princípios são o núcleo central da doutrina contábil.
O Princípio do Custo Como Base de Valor
Enunciado: "... O Custo de aquisição de um ativo ou dos insumos necessários para fabricá-lo e colocá-lo em condições de gerar benefícios para a Entidade representa a base de valor para a Contabilidade, expresso em termos de moeda de poder aquisitivo constante..."
O mais antigo e discutido princípio de Contabilidade é considerado por grande parte dos estudiosos de Teoria da Contabilidade como conseqüência direta do Postulado da Continuidade, como vimos.
Até há alguns anos foi tomado numa acepção muito conservadora de Custo Original Como Base de Valor, isto é, não somente os ativos deviam ser inscritos pela Contabilidade pelo que custaram para serem adquiridos ou fabricados (*), como também somente seria ativo algo que custou efetivamente à entidade para incorporar. Doações não eram consideradas ativos, embora capazes de gerar, da mesma forma que os demais ativos adquiridos, benefícios futuros.
(*) Para os bens ou serviços produzidos pela entidade incluem-se como custos aqueles abrangidos pelo custeio por absorção, ou seja, os ligados à atividade de produção, mesmo que alocáveis aos produtos ou serviços apenas de forma indireta.
Posteriormente, o princípio assumiu conotações menos restritivas, aceitando-se as doações como ativos, porém inserindo-as pelo preço que custaram, originariamente, para quem doou.
Mais recentemente ainda se admite, como base de valor para doações de ativos, quanto pagaríamos por um bem em estado semelhante de conservação, no mercado de novos ou usados, se existir.
Na verdade, transcendendo, ainda, o tipo de custo a ser registrado e atualizado, o princípio tinha uma raiz filosófica profunda de que somente é ativo aquilo que custou alguma coisa para a entidade, mormente se resultante de transações de compra de bens ou de insumos para fabricação de bens. Dessa forma, compreende-se o porquê de a Contabilidade somente admitir registro do "Goodwill" adquirido e não do "criado".
Embora hoje em dia o entendimento do Princípio se tenha ampliado bastante, ainda permanece o fato de que é um valor de entrada que deve prevalecer, como base de registro para a Contabilidade, na continuidade.
Mas como graduar ou escolher entre os vários valores de entrada? Talvez o sentido e aplicação primários de custo original (ou histórico) como base de valor devesse, tendo em vista o cenário brasileiro, ser alterado para: Custo Original (histórico) como Base de Registro Inicial e não mais como Base de Valor.
Se o custo histórico, na data de uma transação, se aproxima bastante do valor atual dos benefícios futuros a serem obtidos pela entidade com o uso do ativo adquirido, o mesmo não se pode dizer com o decurso do tempo, pelos seguintes fatores:
a) desgaste físico e natural do ativo;
b) flutuações do poder aquisitivo da moeda;
c) flutuações específicas do preço do ativo;
d) mudanças tecnológicas; e
e) obsolescência.
Usualmente, há uma perda de valor real, no sentido da diminuição da potencialidade de benefícios para a entidade. Isto não quer dizer, todavia, que esta perda real seja acompanhada por quedas do preço ou do valor nominal do ativo, mormente em regimes inflacionários.
As hipóteses de avaliação, somente para nos atermos aos valores de entrada, são várias e deveremos ter o discernimento de escolher aquela que conseguir maximizar a função contábil composta pelas três famosas variáveis: relevância, praticabilidade e objetividade. Maximizar apenas uma das variáveis não vai resultar no maior valor para a função, como um todo. Já se escreveu que a Contabilidade é um árduo exercício na tarefa de chegar-se a um equilíbrio entre as três variáveis supracitadas.
A escolha também precisa levar em conta o conjunto dos Postulados, Princípios e Convenções.
Pressupor que o custo de aquisição pode ser considerado uma razoável aproximação do valor econômico de um ativo para a entidade que o adquire, e somente na hora da aquisição, significa que o comprador supõe que o valor descontado dos fluxos de caixa a serem gerados pelo uso do ativo, isolada ou juntamente com outros ativos, organização e trabalho, seja superior ou pelo menos igual ao valor gasto para obtê-lo. Nem sempre é possível delinear a contribuição individualizada de cada ativo, mas presume-se que ninguém vá adquirir um ativo por um preço superior ao valor esperado dos benefícios futuros a serem gerados pelo mesmo.
O valor de troca (de transação) pode, assim, ser considerado uma razoável aproximação do valor econômico de um ativo na ocasião da transação. Com o decurso do tempo, todavia, devido à ação de um ou vários dos fatores acima delineados, esse valor de registro original perde grande parte de sua validade, como estimador do valor econômico e como elemento de inferência para o usuário dos relatórios contábeis.
Mormente no Cenário Brasileiro, palco de oscilações continuadas nos níveis de preços dos bens e serviços, por fatores estruturais e mesmo conjunturais, a manutenção, por longo período de tempo, do registro inicial subtrai significativo poder informativo e preditivo das demonstrações contábeis.
O Princípio, portanto, não pode ficar entendido em sua interpretação original, restrita, de valor inicial, mas (com a utilização conjunta do Princípio do Denominador Comum Monetário) "atualizado" seu entendimento, corrigindo-se custos incorridos no passado em termos de poder aquisitivo de certa data-base, presumivelmente próxima do momento decisório, a fim de que todos os dados estejam expressos ao mesmo poder aquisitivo da moeda. Daí nosso enunciado. No Brasil, portanto, já pode ser tranqüilamente admitida uma mudança da denominação, que poderia ser "O Princípio do Custo Histórico Corrigido Como Base de Valor".
A atual legislação societária reconhece esse princípio. Sua menção explícita à correção apenas de determinados elementos se deve basicamente à baixa taxa de inflação da época. Todavia, é fácil notar que o objetivo era exatamente o da aplicação do princípio na sua plenitude quando afirma: "Nas demonstrações financeiras deverão ser considerados os efeitos da modificação do poder de compra da moeda nacional sobre o valor dos elementos do patrimônio e os resultados do exercício". (art. 185, caput) (grifo nosso).
Logicamente, pode-se admitir a não-correção em casos de valores irrelevantes por razões de materialidade, dadas por baixa taxa de inflação, altas rotações ou valores pequenos dos elementos do ativo.
Entretanto, o custo histórico corrigido por algum tipo de índice geral de preços não é o único tipo de valor de entrada modificado do custo histórico. Poderíamos ter, pelo menos, mais dois principais: Custo Corrente e Custo Corrente Corrigido. Para os que diferenciam custo corrente de custo de reposição, ainda poderíamos ter as variantes: Custo de Reposição e Custo de Reposição Corrigido. Ainda mais, poderíamos ter vários tipos de Reposição: corrente (na data), futura... Todas estas variantes de avaliação têm sido amplamente discutidas em trabalhos acadêmicos e merecem, mesmo, aplicação, principalmente para finalidades gerenciais. Numa próxima etapa de desenvolvimento da disciplina no Brasil, alguns itens do balanço e da demonstração de resultados talvez pudessem ser evidenciados (em notas explicativas) pelos seus valores de Reposição. Entretanto, para uso por parte das Entidades, em seus relatórios financeiros para finalidades externas, julgamos que o custo histórico corrigido pelas variações do poder aquisitivo médio da moeda apresenta as seguintes vantagens:
a) é sem dúvida, mais objetivo, no sentido de que se trata de aplicar aos valores rigorosamente registrados pela Contabilidade apenas um "fator de atualização" em termos de poder aquisitivo. Na verdade, não estamos corrigindo o valor dos bens, mas apenas corrigindo o que, teoricamente, não deveria ter variado, que é o poder aquisitivo da moeda. Daí a correção dever basear-se na modificação da capacidade geral de compra da moeda e não na variação específica do preço de determinado bem;
b) devido às circunstâncias supramencionadas, é mais fácil imaginar mecanismos de correção detalhados para utilização de todas as entidades, facilitando as comparações por parte dos investidores;
c) sob o ponto de vista rigorosamente conceitual, nem sempre o custo corrente de reposição na data (para ficarmos numa das variantes dos custos correntes) é superior ao conceito de custo histórico corrigido, mesmo para finalidades gerenciais. Tentar calcular o custo de reposição de uma máquina que, digamos, por motivo de mudança no processo técnico de produção, não mais será reposta, no futuro, quando de sua retirada, não tem muito sentido teórico e pode até confundir o leitor.
A compra financiada também não tem muito que ver com a reposição, principalmente quando se refere a bem destinado à venda, cujo recebimento se dá antes do pagamento ao financiador;
d) a mensagem dada pelo custo histórico corrigido é clara e, embora limitada, apresenta a vantagem da relativa simplicidade e da melhor margem de objetividade. Não pretende avaliar ativos e passivos a valores de mercado, mas meramente restaurar os valores originariamente incorridos em termos de um denominador comum monetário;
e) por outro lado, seria bastante mais complexo, até dentro de um mesmo setor industrial, tentar imaginar formas padronizadas de se avaliarem balanços a custos de reposição, em vez de apenas pela correção monetária (embora para esta não sejam irrelevantes as dificuldades). Cada empresa tenderia a utilizar padrões próprios, de difícil uniformização, considerando as dificuldades envolvidas na pesquisa de valores de mercado.
O princípio do custo histórico corrigido já é aceito, há algum tempo, no Brasil, dadas as várias legislações sobre correção monetária.
O que se coloca, agora, é a necessidade da disciplina e da profissão darem mais um passo à frente, incorporando em suas práticas usuais a correção integral das demonstrações contábeis pelas variações do poder aquisitivo da moeda.
Os analistas necessitam de todos os grupos do Balanço Patrimonial e das demais demonstrações principais expressos ao mesmo poder aquisitivo, para que suas análises sejam facilitadas.
A forma atualmente utilizada para correção do resultado, embora meritória, deixa muito a desejar e dificulta sobremaneira a correta avaliação de tendências. É preciso ter-se como meta a correção integral das demonstrações contábeis.
O fato de aceitarmos, como base de valor, o custo histórico corrigido não significa que não possamos admitir algumas exceções, em casos especiais. Todavia, a avaliação do ativo não pode traduzir-se na excessiva mistura de critérios hoje utilizados. O custo histórico corrigido é a base de valor, e nós a utilizaríamos inclusive para a avaliação de produtos em estoque, destinados à venda. Se, por decorrência de ramos de negócios especiais algum outro critério de avaliação tiver que ser utilizado, é importante que fique bem claro, entre parênteses, ou em nota explicativa, qual critério de avaliação foi utilizado, e por quê. Exceções ao critério geral poderiam ser constituídas pelas carteiras de títulos de algumas entidades, mantidas para proporcionar rendimento ou como respaldo para aplicações, as quais poderiam ser avaliadas pelo valor de mercado (pelo qual poderiam ser resgatadas) nas datas dos balanços. Em raras circunstâncias, como no caso de entidades que manipulam com ramos de atividades cujo produto principal está sujeito ao que se convencionou denominar "crescimento vegetativo ou natural", tais como produtores de vinho, entidades agropecuárias e poucas outras, poderia ser admitida a avaliação a valor de mercado de seus estoques de produtos, mesmo antes de a venda ter ocorrido. Entretanto, teremos de estudar outros princípios e restrições, antes de delinearmos um quadro geral de critérios de avaliação e das circunstâncias e cuidados que deveremos utilizar, principalmente nas exceções.
A excessiva liberalidade de critérios de avaliação tem-se infelizmente, constituído em fonte de não poucas manipulações, dificultando sobremaneira aquilo que mais interessa ao usuário, principalmente externo, da informação contábil, precipuamente às entidades de capital aberto, a saber: admitindo-se um critério tecnicamente razoável, talvez até não o melhor em todas as situações, poder realizar comparações, pelo menos ao nível do mesmo ramo de atividade. A multiplicidade de critérios comerciais, legais e fiscais tem convulsionado os vários setores, gerando dificuldades acentuadas para os analistas.
Assim, o custo histórico corrigido é a base de valor para relatórios financeiros e contábeis de divulgação para o mercado. Deve-se ressaltar, todavia, que na impossibilidade de recuperação de parte ou do todo desse custo, a devida baixa por provisionamento deverá ser procedida. Nenhum ativo pode ficar registrado por valor superior ao de sua recuperação por alienação ou utilização.
O Princípio do Denominador Comum Monetário
Enunciado: "As demonstrações contábeis, sem prejuízo dos registros detalhados de natureza qualitativa e física, serão expressas em termos de moeda nacional do poder aquisitivo da data do último Balanço Patrimonial..."
Esse princípio expressa a dimensão essencialmente financeira (a palavra utilizada - agora - no sentido de avaliação monetária) da Contabilidade, na necessidade que esta disciplina sente de homogeneizar, para o usuário das demonstrações contábeis, ativos e obrigações de naturezas tão diferenciadas entre si, pelo denominador comum monetário, que é sua avaliação em moeda corrente do País.
É a qualidade agregativa da Contabilidade que, sem deixar de dar as devidas considerações às qualidades essenciais específicas de ativos e passivos como geradores de fluxos futuros de caixa, ainda consegue adicionar e homogeneizar tais elementos diferenciados através da avaliação monetária.
Notamos que em suas origens, esse princípio era simplesmente entendido quanto à dimensão financeira da Contabilidade, nada explicitando, talvez pelas condições de estabilidade financeira dos cenários onde se desenvolveu, com relação à uniformidade do padrão de mensuração, que é a moeda de cada país. Um padrão, para ser considerado como tal, não pode sofrer variações em sua essência. Dessa forma, a moeda corrente, no Brasil, não pode ser considerada um padrão de mensuração afiançável, a não ser no exato momento de cada transação. Para que o usuário da informação contábil possa auferir todas as nuanças e fragrâncias das demonstrações contábeis, inclusive com relação a aspectos de valor de mercado, é necessário voltar a ter um padrão constante de mensuração monetária. Escolhe-se, assim, uma data-base para expressar todas as contas das demonstrações contábeis publicadas, a saber, a data do Balanço Patrimonial.
Em moeda da mesma data deveriam estar expressas as demonstrações do exercício anterior. Por outro lado, para efeito de maior facilidade na avaliação de tendências, deveria ser exigida a publicação das demonstrações contábeis de vários dos últimos exercícios e não apenas de dois, como determina a legislação comercial.
Para efeito de interpretação, a homogeneização das demonstrações contábeis de publicação, não apenas avaliadas em moeda nacional, mas de poder aquisitivo da data do Balanço Patrimonial, não implica que relações de débito e crédito, assim corrigidas contabilmente, obriguem as partes a resgatá-las em valores corrigidos, a não ser que haja alguma cláusula expressa de correção dos relacionamentos de débito e crédito. Por isso deverá ser dado destaque especial às contas que expressam valores monetários na data do Balanço Patrimonial final, tais como: contas a receber e a pagar, além de disponibilidades e títulos equivalentes e disponibilidades. Tais contas, mesmo derivantes de financiamentos e empréstimos em moeda estrangeira, deverão estar claramente expressas em moeda da data do Balanço final.
Outro ponto que deriva desse princípio - o fato de algumas transações serem realizadas com base em valores prefixados e com a liquidação primária a certo prazo da data da operação - tem feito crescer a tendência de se trabalhar contabilmente com o conceito de valor presente. O valor do dinheiro no tempo tem levado a uma mudança da atitude nesses casos em que o prazo ou os juros e os efeitos inflacionários embutidos (mesmo que apenas implicitamente) no preço prefixado são significativos.
Assim, numa inflação mensal de 10%, e juros reais anuais de 15%, uma compra de ativo imobilizado para pagamento em 20 prestações fixas predeterminadas de Cr$ 100.000.000 não seria contabilizada com a ativação dos Cr$ 2.000.000.000 e respectivo registro do passivo.
Far-se-ia o cálculo do valor presente dessas prestações e o registro contábil far-se-ia com imobilização e endividamento de Cr$ 781.532.481.
O diferencial de Cr$ 1.218.467.519 seria registrado como encargos financeiros nominais ao longo dos 20 meses de financiamento, como se esse valor fosse (como realmente o é) o preço à vista, e o restante, o acréscimo nominal por inflação e juros embutidos no negócio.
No Brasil está-se a requerer o estudo da implantação desse procedimento.
Consagra-se, portanto, a cada dia, a partir do enunciado específico do Princípio do Denominador Comum Monetário, a adoção de um padrão monetário estável para as demonstrações contábeis divulgadas para o mercado.
O Princípio da Realização da Receita
Enunciado: "A receita é considerada realizada e, portanto, passível de registro pela Contabilidade, quando produtos ou serviços produzidos ou prestados pela Entidade são transferidos para outra Entidade ou pessoa física com a anuência destas e mediante pagamento ou compromisso de pagamento especificado perante a Entidade produtora..."
A Contabilidade apresenta grande necessidade de objetividade e de consistência em seus princípios e procedimentos, que podem ter reflexos até na área do Direito. Nesse aspecto, diferencia-se da Economia, a qual muitas vezes enuncia e define conceitos que se refletem sobre as Entidades, sem a necessidade ou obrigação de mensurá-los numa forma sistemática e repetitiva.
É reconhecido que o processo de produção adiciona valor aos fatores manipulados de forma contínua, embora não se possa, objetivamente, escolher pontos ao acaso e sempre determinar, afiançadamente, o valor adicionado. Embora se acentue que o processo de produção adiciona valor de forma contínua, não se pode dizer que o processo seja linear, exponencial ou de outra conformação.
É que etapas diferenciadas da execução de um processo produtivo podem adicionar valor desproporcionalmente ao tempo envolvido na etapa e mesmo ao custo, embora esta última premissa (da proporcionalidade entre custos incorridos e receita-valor gerado) seja utilizada em certos casos.
De forma alguma deve confundir-se essa maneira cautelosa de a Contabilidade usualmente reconhecer a receita com a idéia de obscurantismo ou de falta de relevância, pois se por um lado, como vimos, consistência, objetividade e relevância são variáveis que precisam ser satisfeitas conjuntamente em Contabilidade, por outro, esta sabe reconhecer os casos - raros - em que é preciso desviar da regra, pois que toda norma tem exceções, mas que não devem ser numerosas, sob pena de invalidarem a norma.
Portanto, considera-se que o Princípio da Realização da Receita escolhe, como ponto normal de reconhecimento e registro da receita nos livros da empresa, aquele em que produtos ou serviços são transferidos ao cliente. Este ponto é praticamente coincidente, muitas vezes, com o momento da venda. A Contabilidade assim o faz porque:
a) a transferência do bem ou serviço normalmente se concretiza quando todo, ou praticamente todo, o esforço para obter a receita já foi desenvolvido;
b) nesse ponto configura-se com mais objetividade e exatidão o valor de mercado (de transação) para a transferência;
c) nesse ponto já se conhecem todos os custos de produção do produto ou serviço transferido e outras despesas ou deduções da receita diretamente associáveis ao produto ou serviço, tais como: comissões sobre vendas, despesas com consertos ou reformas parciais decorrentes de garantias concedidas, etc.
Os desembolsos com tais despesas podem ocorrer e até ocorrem, após a transferência, mas o montante é conhecido ou razoavelmente estimável já no ato da transferência.
É importante notar que muito dificilmente será possível observar as três condições acima em pontos outros que não o da transferência efetiva do produto ou serviço. De qualquer forma, é a satisfação dessas três condições que deverá determinar quando uma receita pode ser reconhecida nos livros da entidade, e não os interesses outros de natureza fiscal ou, o que é pior, a mudança do critério conforme o interesse de cada configuração. A tentação de reconhecer receita valorando os estoques de produtos ou serviços a valores de mercado, antes da transferência ao cliente, é muito grande e parece, até, que os que assim afoitamente agem, estão na vanguarda do pensamento contábil, mas, na verdade:
a) em geral, o mercado, objetivamente, só pode considerar que "deu seu veredito" sobre o valor da transação quando esta se completa;
b) freqüentemente, a excessiva precipitação no reconhecimento da receita representa mais uma manipulação para favorecer esta ou aquela configuração de resultados do que uma efetiva utilização sadia dos princípios de Contabilidade.
Não podemos esquecer que, como conseqüência do Postulado da Continuidade, o ativo fica nos registros pelos seus valores de entrada (custo corrigido) até o "sacrifício" de tais ativos no esforço de obtenção da receita. O valor de "saída" é dado pela receita; o confronto tem que ser, necessariamente, com valores de entrada.
sábado, 27 de março de 2010
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